domingo, 20 de abril de 2008


sinopse

De um conjunto de três actrizes unidas por relações de amizade, cada uma convidou, à vez, as outras duas para jantar em sua casa. Os sons e diálogos produzidos durante a preparação colectiva dos três jantares foram registados e deram origem a um guião: uma matriz de acções, objectos, sítios da cozinha, percursos e diálogos. Na cena, entre a intimidade e a possibilidade da sua representação, atribui-se sucessivamente prevalência a determinadas dimensões perceptivas em detrimento de outras. Acções sem corpo, sons e cheiros sem imagem, movimentos sem texto, conversas sem gestos, cenário sem espessura, etc. – constituem possibilidades, diversas, de deslocação da circunstância real para a plataforma de comunicabilidade que é a cena.


direcção Jorge Andrade com Anabela Almeida, Cláudia Gaiolas e Teresa Ferreira síntese do texto Ana Maria Simões e Kitty Furtado colaboração coreográfica Miguel Pereira cenografia, figurinos e cartaz José Capela luz João d’Almeida em co-produção com Galeria Zé dos Bois apresentações Lisboa



férias em Maria Vinagre, Verão de 2005







Em arquitectura, projecto de execução é o nome que se dá à fase final de um projecto, na qual todos os elementos construtivos são exaustivamente detalhados e os procedimentos e normas de execução são pormenorizadamente definidos. Adoptou-se este título porque este projecto de teatro obedeceu a um enunciado rigoroso. Quer os procedimentos a levar a cabo para chegar ao espectáculo, quer a sua solução cénica, foram determinados à partida (como acontece também numa receita de culinária). Cumpriram-se, sucessivamente, as seguintes etapas:

1. De um conjunto de três actrizes, de facto amigas de longa data, cada uma convidou as outras duas para jantar em sua casa. Os jantares só começaram a ser preparados após as duas convidadas terem chegado a casa da anfitriã, tendo o mesmo sido preparado pelas três. Os sons produzidos, quer durante a preparação do jantar, quer durante a refeição, foram gravados.

2. A partir da configuração das três cozinhas utilizadas nos três jantares, e dos dados registados nas três gravações, foi definida uma matriz de acções, objectos, sítios da cozinha, percursos e diálogos, como se apenas de um jantar se tratasse.

3. Com base nestes elementos, foi definido e “ensaiado” um guião naturalista relativo apenas à preparação desse jantar-síntese.


No espectáculo não foi apresentada ao público uma representação naturalista da preparação do jantar. Em vez disso, atribuiu-se sucessivamente prevalência a determinadas dimensões perceptivas em detrimento de outras: acções sem corpo, sons e cheiros sem imagem, movimentos sem texto, conversas sem gestos, cenário sem espessura, etc. No final, o público era convidado a partilhar com as actrizes um prato de bacalhau espiritual, efectivamente cozinhado durante o espectáculo.


As três actrizes e as duas mulheres que sintetizaram o texto fazem parte de um mesmo núcleo de amizade que, em grande medida, teve origem numa turma do “Conservatório”. À excepção do processo de síntese dos três jantares num só jantar (cujo resultado nos foi fornecido), os dados reais quase não foram manipulados. Esta quase-verdade foi colocada em contraste com o declarado artificialismo da cena, ou da passagem da realidade para a cena. Não acreditamos na verdade da cena, nem na verdade emocional da representação. O que apresentámos foram possibilidades, diversas, de transposição do íntimo para a plataforma de comunicabilidade que define a cena. A intimidade do grupo de mulheres foi assim aferida de uma perspectiva que se prende com a relação entre a fenomenologia do real e a fenomenologia da cena. Esta foi uma experiência de teatro no contexto histórico dos reality shows.



imagens do espectáculo (fotografias de Rodrigo Peixoto, excepto 5, 6 e 7)











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